24/06/2011


Foi-me reservado as promessas e os sonhos, o passeio virtuoso e o esboço dos aplausos. O rótulo do virtuosismo colou-se-me em variadíssimas temáticas, e eu, invariavelmente, com maior ou menor celeridade, tratava de desmitificar os augúrios, frustrando - mais os outros do que a mim - as expectativas em mim depositadas.

Que me lembre, primeiro foi a ginástica. Executava os exercícios com aptidão e valha a verdade, gostava dos treinos. Na primeira competição que participei, arrecadei a medalha de ouro nos exercícios com a bola e a corda. Na segunda, conquistei a medalha de ouro com a bola e a de prata com o arco. Não voltaria a saborear o pódio nos dois anos seguintes. Com o passar do tempo desinteressei-me e desisti.
Depois as aulas de piano. Lembro-me de ter recebido um órgão Yamaha num Natal e para espanto de todos, reproduzia com uma estranha facilidade tudo o que ouvia. Após três anos de conservatório de música, fui convidada a participar num festival musical. A minha participação resumia-se a um solo de piano que não ultrapassava os dez minutos. Lembro-me de espreitar por detrás da cortina um auditório que estava a rebentar pelas costuras. Não me lembro o que toquei, não me lembro se executei a partitura com rigor, mas nunca esqueci o terror que senti quando me sentei ao piano. Desde esse dia, não voltei a pôr os pés no conservatório de música.
Já na adolescência, a minha família dividia-se em apostas; uns garantiam que teria um futuro auspicioso no exercício da advocacia, outros, na política. O motivo era simples, um poder de argumentação que não raras vezes enervava os interlocutores.
Um dia, num jantar de família, disse que gostava de escrever. "Escrever o quê?" - Perguntaram-me... Não soube responder.

4 comentários:

João Roque disse...

Tens vindo a dar a resposta em textos como este.

lampâda mervelha disse...

Escreveres-te. Para lá de quem és, essas entranhas d'o que és.

Não é apenas um fechar a água quente, enrolada na toalha, de pés descalços e corpo ainda molhado, atravessar a casa e voltar para a cama. São as mãos delicadas, que no movimento dos ponteiros do relógio, cessam a chuva quente. Fica aquele respirar, o gotejar aqui e ali, aquela breve pausa antes de se sair. São os pés, que quase em pontas, vão deixando a marca pela casa, e como ainda escorrem gotas de água, beijando-te até ao calcanhar. É a procura no |re|conforto, no agarrar de um perfume que fica, que se cole... sob a pele.

Ler-te é aprender-te. Esse é o teu ouro, para mim.

Blueminerva disse...

"Oh, foda-se... assim não vale."

Que me desarmas com a lírica e eu não te mereço.

Nuno disse...

Nunca te vi na ginástica nem tampouco a tocar piano...mas que é um regalo ler-te, lá isso é.

 
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